sexta-feira, 28 de março de 2008

XXXVIII

no reveillon do ano em que completou 38 anos mabel pressentiu o outono/a primavera daquele ano: April is the cruelest month, breeding. entrou num avião, demorou-se na viagem e estava longe no dia das mães; quando finalmente voltou, tinha atravessado seus choros mais profundos e sentiu que devia engravidar - ainda uma vez mais.
lembrou-se vagamente de alguém lhe dizer: mães são sempre o mordomo da história - culpados, quaisquer que sejam os enredos. há frases que parecem ter nascido para serem ditas por ex-namorados, maridos, homens remotos: se assim se tivesse passado, ela teria - afinal - algo que não a fizesse se esquecer definitivamente deles.
mabel reconhece a textura da culpa, sente-a às cegas, crescendo como tecido sob a sua pele, a cada hora do dia em que erra, em que não pode dar a direção, não pode proteger sua cria, tão somente a vê crescer.
agora, na primavera/outono do ano em que tem mais de quarenta anos, ela não erra menos, abril foi de novo o mês das idéias esquisitas e férteis - ainda precisa engravidar, o desenho da gravidez é o rascunho de um estranho sacrifício - um corpo lançado ao futuro, e quando terminar, só posso recolher as sobras - ainda assim, uma mulher sempre quer, porque ama suportar, ama aprender a fortalecer, está condenada a distender o próprio destino - até o fim.