segunda-feira, 8 de setembro de 2008

LI

o inverno em últimos dias escaldante. mabel se viu obrigada a contar sua vida recente em diferentes detalhes, uma vez que tem encontrado suas amigas com muita frequência. o inverno por essas bandas se presta a isso. as piscinas ficam geladas, as mulheres em roupa de banho quase sempre cobertas por vestidos e bermudas deixam o dia passar, conversam sem nenhuma pressa, olhando os filhos ao redor enquanto a luz trafega em seu arco diário , mudando o verde, mudando o humor, testando a proximidade.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

LIV

uma cor ganha contorno em matéria. vagarosidade num vórtice que concentra o castanho, dentro do meu, seu olho.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

L

de uma vez em que algo terminara, ele guardava uma música agora em não-ritmo hip hop. mabel sentiu seu coração parar. era assim sempre que compreendia quanta dor lhe causara.

mas não queria que as histórias fossem jamais esquecidas, se elas é que são o estofo do amor. uma vez teve coragem para perguntar-lhe se fôra feliz, ele respondeu que sim, ela ficou aliviada e agradeceu às mulheres da vida dele. porcelana em pedaços. agora era sua voz firme o que ouvia dizendo: que se regozijara ao vê-la superar a angústia, finalmente.

numa tarde longínqua conversavam numa poltrona cor de chá sob a janela e ele via, com nitidez, que ela era capaz de viver alguma felicidade por si própria. então não fazia parte daquele quadro, e silenciosamente desejou-lhe sorte.


ela nunca mais apareceu na minha vida, na minha mente novamente
eu sei que o que ficou não desapareceu, a minha vida muda sempre lentamente.
como a lua que dá voltas pelo céu, e mexe tanto com o presente quando ausente.
eu sei, não sou vidente mas sei o rumo do seu coração



mabel esperou que ele continuasse a falar. não, seus olhos escureciam, ele sentia um peso qualquer, só dele. talheres de prata batendo num assoalho sem tapete. não se meteu, mas não teve medo.

aquela era uma noite porosa, emoções de diferentes densidades moldando o quarto. tanta entrega, o silêncio dentro d´água, os dois braços num abraço fundo e que duraria muito, muito.

ele não disse mais. ela ao contrário, não o poupou de sua narrativa-escrita-de-diário. dizia a ele que uma voltagem alta lhe fazia olhar à volta os objetos, mas que era dele, só dele, sua fome. e a intimidade. ele levou às mãos à testa para rir do inevitável: nada é capaz de fazer parar uma mulher a não ser aprender sobre a mudez que subjaz em toda sua falação voluptuosa.

rir, talvez do amor.

terça-feira, 29 de julho de 2008

XLIX

por um instante, mabel se esqueceu do que trata les liaisons dangereuses. o amor é uma narcose. nada a fazer senão ouvir canções suaves em vozes de mulheres tristes, o time a que pertence, e gosta.

XLVIII

aprendi a deixar os livros gastarem-se; ficaram pesados de pó, do limo do tempo em sua mistura viscosa, seu tapete de argila e quartzo, os bichos minúsculos que moravam comigo numa casa branca.
vim-me embora , deixei guardadas lá colônias de algas verdes e azuis sobre as pedras úmidas, para um mês depois trazer os livros comigo, todos. e aprendi a deixar as cicatrizes marcarem-lhe a pele, pois viajaram demais. agora eles estão ainda mais gastos, carregam meus olhos gravados.
estou em paz, a um passo.
dei adeus a alguma solenidade, e leio-os, ávida.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

quarta-feira, 21 de maio de 2008

XLVI

um senhora de rosto enrrugado vendia peixes famblados e doces caramelizados numa barraquinha de cachorros-quentes. champagne no meio do dia, é só isso que preciso para acabar de celebrar. casa de máquinas, escada de incêndio, fogos vermelhos no céu, sobre os mesmos lugares da cidade que conheço tão bem, o horóscopo dizia para não me submeter à vontade alheia. você se mudou para uma casa geminada, de dois pavimentos construída em madeira. ainda me recebe ali um tanto desconcertado,logo a mim, você deve saber que eu não me assombro com fantasmas. me mandou passar o dia ali, quem sabe para me apossar. logo eu, que sei que posse se toma bem devagar, devagar. obedeci, por que escolho a quais vontades me submeto. sei de cor as nuances de sua sala monocromática.

XLV

l., tive um pesadelo.
eu vi, t. passou?
hum, hum. minha mãe me ajudou.

XLIV

wish tree.
a um pai eu desejo muitos mais anos de vida.
a uma mãe eu desejo a suavidade.
a uma mãe eu desejo o coração quente e que goste de surpreender-se.
a uma filha eu desejo um longo caminho e o gosto da solidão.
a outra filha eu desejo que chegue bem quando decidir que é hora de vir viver aqui embaixo.
a um amor eu desejo que possa abraçá-lo até o fim dos dias.
à amizade eu desejo que nunca termine e que seja sempre "apesar de", não "por causa de".

sexta-feira, 16 de maio de 2008

XLIII

devo a ele a espera, tantas vezes repito a mim, para que eu acredite que posso. devo a ele os dias, horas em que ele precisar purgar todo o medo, tanta dissolução. eu estava lá quando começou.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

XLII


15 de maio,1886: Amherst, Massachusetts.

Futile – the winds –
To a heart in port –
Done with the compass –
Done with the chart!

XLI

agora que a casa é feito uma nuvem despedindo-se da opacidade, pediu que a abraçasse até que o vento da noite não ruja mais; ou, ele sabe, agora que o quarto escuro se ilumina passo a passo. ela pode ir. ela pode voltar. agora toma banhos longos em água fervente, com aroma de chá preto, enquanto visita suas reflexões bem óbvias. ela pode ir, pode ficar. viaja suavemente até lá, distrai-se com as luzes do caminho. despe-se. enquanto recolhe dos olhos dele doses de encanto e volúpia, ela mergulha lâminas de papel em café, pelo gosto de escurecê-las. ela pode ir, ela voltará. ele envolve-a - não sabe se o alívio é seu ou dele, mas respira a mudança.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

XL

rota reversa, cadernos que se exaurem de um texto minúsculo. ansiava pelo vazio e pela duração, mas precisou, nem sabe a razão, de testar a nitidez das próprias personagens. então voltaria a escrever, mesmo que as palavras não possam demorar-se. loomis: sem melancolia, as voltas ao redor de seu próprio quarto tem agora um raio aumentado.
aprendeu a andar de chinelos, brancos, dourados, pretos. deixar os dedos dos pés visitarem a cidade. um vórtice profundo, um paradoxo no coração acelerado todo dia - finas lâminas de borracha, cada vez mais à flor da pele, e com a solidez das emoções fundas, opacas.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

XXXIX

ele esquece canetas esferográficas pela casa, as que traz de presente ou as que deixa sobre os livros ao lado da cama. ela as recolhe como fossem talismãs, sua garantia de que ele está perto, um suspiro e acredita que ele talvez esteja ali pra sempre. no começo da semana, uma caneta encapada de verde - como a chave das correspondências secretas que parecia lhe dizer - cuide bem do que é seu, nunca se esqueça da fragilidade, é por isso que um amor resiste. guardou.

sexta-feira, 28 de março de 2008

XXXVIII

no reveillon do ano em que completou 38 anos mabel pressentiu o outono/a primavera daquele ano: April is the cruelest month, breeding. entrou num avião, demorou-se na viagem e estava longe no dia das mães; quando finalmente voltou, tinha atravessado seus choros mais profundos e sentiu que devia engravidar - ainda uma vez mais.
lembrou-se vagamente de alguém lhe dizer: mães são sempre o mordomo da história - culpados, quaisquer que sejam os enredos. há frases que parecem ter nascido para serem ditas por ex-namorados, maridos, homens remotos: se assim se tivesse passado, ela teria - afinal - algo que não a fizesse se esquecer definitivamente deles.
mabel reconhece a textura da culpa, sente-a às cegas, crescendo como tecido sob a sua pele, a cada hora do dia em que erra, em que não pode dar a direção, não pode proteger sua cria, tão somente a vê crescer.
agora, na primavera/outono do ano em que tem mais de quarenta anos, ela não erra menos, abril foi de novo o mês das idéias esquisitas e férteis - ainda precisa engravidar, o desenho da gravidez é o rascunho de um estranho sacrifício - um corpo lançado ao futuro, e quando terminar, só posso recolher as sobras - ainda assim, uma mulher sempre quer, porque ama suportar, ama aprender a fortalecer, está condenada a distender o próprio destino - até o fim.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

XXXVII

loomis. vogais e consoantes duplas nos sobrenomes sempre lhe lembravam coisas que duram, duram. prolongam-se, como uma exclamação ou um suspiro. acabou de descobrir que um gemido, de entrega, também pode durar vinte anos até partir dos seus lábios e ganhar o mundo para daí se repetir até que esta vida termine.