sábado, 29 de maio de 2010

II, ch. III

nem todo mundo ali tinha sabido o que era preparar um enxoval, para algumas delas a vida precisou ser vivida a cada dia, sem planos nem presentes de cerimônias. afinal algo em que se reconhecia. mais próximas do que jamais tinham suposto,  partilharam certezas nunca ditas em voz alta. um dos casamentos terminou, o outro - e mais um - atravessam tudo.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

X, ch.II

ele não a amava. como ela não viu?  atravessou a igreja ao seu lado, e ele  sequer se voltou para ela no trajeto inteiro da nave da catedral.
um homem te ama se caminha a seu lado acompanhando seus passos, um riso tantas vezes voltado para você.
na superfície, o amor é uma companhia, o olhar que te aquece num atravessar de rua, o mais banal de todos os passeios de pedestres.
no fundo, o amor é só uma temperatura. dividida. você sente que.

I, ch. III

aprenderam a viver umas com as outras há tanto tempo. fizeram as contas: não passavam mais de um dia juntas desde os vinte anos. da última vez não havia os filhos, os móveis e os livros, os maridos novos, os antigos, os casamentos e os namoros desfeitos, os amores sobreviventes, o desfazimento das vidas, um refazer de tudo. 
da última vez não tinham vivido ainda. 




saíram  de manhã bem cedo, o aeroporto fechado por causa do nevoeiro, a conversa esticada num café. sentiam-se como árvores, as raízes por tantos lados.  já tinham vivido então.
qual com sua saudade, o encontro com a própria história, foram viajar: cinco. tanto tempo depois do encontro marcado para o ano 2000, aquele que esqueceram, pois o que bem sabiam era por à prova as tradições que construiam para si.

sábado, 22 de maio de 2010

IX, ch. II

há dias acordava procurando o que ler, uma escrita feminina, quem sabe, o mundo contado em histórias narradas por mulheres. Estava saturada da aridez altiva dos homens. Ela precisava de outra substância. O livro que colocou na mala, no dia de ir à praia, cabia bem na bolsa de fora, e não pesava. Achou-o na mesa de cabeceira, empilhado dentre tantos: Hannah Arendt. Sua companheira invisível de viagem, guardada dos olhos das amigas, que naquele fim de semana estavam mais no mood Sex and the City que Simone & Jean-Paul.

 “... algo bem diferente ocorre com a liberdade de falar um com o outro. Ela só é possível no trato com o outro. O decisivo não é de maneira alguma, cada um poder dizer o que bem entendesse, ou cada homem ter um direito imanente de se expressar tal como era. Trata-se aqui, talvez, da experiência de ninguém poder compreender por si, de maneira adequada, tudo que é objetivo em sua plenitude, porque a coisa só se mostra e se manifesta numa perspectiva, adequada e inerente à sua posição no mundo. Se alguém quiser ver e conhecer o mundo tal como ele é ‘realmente’, só poderá fazê-lo se entender o mundo como algo comum a muitos, que está entre eles, separando-os e unindo-os, que se mostra para cada um de maneira diferente e, por conseguinte, só se torna compreensível na medida em que muitos falarem sobre ele e trocarem suas opiniões, suas perspectivas uns com os outros e uns contra os outros. Só na liberdade do falar um com o outro nasce o mundo sobre o qual se fala, em sua objetividade visível de todos os lados. O viver-num-mundo-real e o falar-sobre-ele-com-os-outros são, no fundo, a mesma e única coisa.”