quarta-feira, 19 de setembro de 2007

XXV

seu último caderno precisava ser dedicado a ele. ou chamar-se lar. não tomou nehuma das providências. escreveu-lhe uma carta com uma frase de granito, a que ele sonoramente respondeu: é certo que, sendo você a escrever, tinha de ser sobre o corpo, os corpos, um gozo. sim, devolveu-lhe, tudo era sobre isso, ela aprendera. o sexo ele próprio, o dinheiro, o amor desfeito, os casamentos. ah sim, claro, os casamentos. por muito tempo fotografava ao acaso noivas saindo de igrejas, ria consigo da terrível coincidência, era sempre em suas viagens de férias. agora se deparava com vestígios: da antena do carro à porta do prédio, pendiam uma flor e uma fita brancas. sim, mais cedo aquele carro levara os noivos. agora, ao crepúsculo, quem sabe se amavam, matavam vontades. quem sabe se amariam para sempre. quem sabe sofreriam por seus rituais quando arruínados.
ela sentiu um arrepio: era, por certo, um outro pedaço da vida, dele, dela, senão dos dois. apertou a mão dele enquanto caminhavam. era-lhe mais reconfortante espiar os vestígios do amor que testemunhar sua cerimônia. na luz branca da manhã seguinte, estrada do interior, cruzaram um rolls royce velho e seu motorista vestido a caráter - ia conduzir outra noiva. não, ela pensou, ele talvez não tenha se dado conta de que naquela viagem gravava na retina e em outros filmes, não numa fotografia, mais acasalamentos. sentiu sua mão, tão suave. pensou em dizer-lhe que suspeitava haver terminado, para ele, o alento das cerimônias. era mesmo o vento quente do amor vindouro, ainda ávido por entregar-se até o final, que soprava por ali. mas até então não foi capaz de fazê-lo. seu último caderno precisava ser dedicado a ele.

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