quarta-feira, 23 de maio de 2007

IX

abriu os olhos no escuro, protegida pelos números alaranjados do relógio. era seu quarto, sua vida e nada fora do lugar, nenhum engano. terminara de ler uma história desconcertante, e sentiu o vento, a delicadeza e medo, esses ingredientes noturnos das perguntas que vinham tomar sua vida. não, por favor, não me façam partir daqui- só preciso de um espelho convexo, e não consigo dormir. as janelas da sua casa têm frestas que não contém o vento. às vezes ele sopra suave, noutras ganha velocidade e a faz levantar mais cedo, ainda mais. não faz mais diferença se ela dorme ou não, têm sido assim nas noites que passa só. molly se lembrou da frase no livro que dizia que um amor é destino. pensou que um amor verdadeiro deixa cicatrizes - nas costas, nos móveis, os livros que chegam por mãos insuspeitas, uma rudeza amarga e o chão que foge sob os pés. chorou algumas vezes durante o dia um choro que não era por si ou por eles dois, afinal de contas. ou era, irremediavelmente?

Um comentário:

Anônimo disse...

escrever ia ficando, para seu espanto, cada vez mais difícil, logo com cf, que achava que fazia isso com alguma desenvoltura. mais do que a dificuldade de escrever, não suportava seu próprio silêncio. enquanto escrevia isso, como calças, ou ainda suspensórios, ouvia "a primavera é quando ninguém mais espera, e desespera tudo em flor. a primavera é quando ninguém acredita, e ressucita por amor". olha que ironia, mabel... mas teve que parar. como quando viu clarice na estação da luz, teve que ir embora correndo para não dar vexame. mas antes de ir, ele se lembrou que guardava uma coisa, que podia dizer nesse diário quase particular (ele andava, naquelas ocasiões, acreditando mesmo em sua cara-de-pau, e gostava disso): achava que sabia, ou ainda acreditava, ou mesmo apostava (e assim aportava) em que seria feliz, se quisesse. "há um lugar, onde está, um lugar, sei que há, um lugar que faltei achar... há um lugar, há de vir, só faltou descobrir, um lugar, ainda quero ir". tudo wisnik. melhor ainda era ouvir o primeiro fundamento, dele também, e sorrir de tanta delícia: "preparei meu coração prá receber teu saque.... veio em minha direção....quase tive um ataque...devagar tentei cortar.... vc deu um toquinho.... mergulhei, fui de peixinho, já era o fundo do mar...". cf estava aprendendo que também fazia estórias.