quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

XXXI

mabel nunca cerra as cortinas duplas do seu quarto de dormir, não pode deixar o tempo e a luz lá fora por que senão imergiria num inverno imaginário e interminável. e sabia se conter, nesse seu desejo febril. aprendeu, nos verões a cada ano mais severos, o amor pela luminosidade da manhã. acorda sozinha tantas vezes no ano, a casa vazia de seus amores, e não tem outra saída - escreve uma escrita surda, ela e a luz alva são um dique para sua ansiedade.
quando fez trinta anos descobriu o próprio autismo. jamais prestou atenção nas regras dos outros, jamais ouviu-os com atenção. mabel não se arrepende, nada nela seria como é não fosse essa debilidade. vive a vida toda de interpretações mancas, as próprias. por isso mabel não joga fora seus sapatos antigos, gosta de olhá-los, testemunhas de suas hesitações: desarrumados, olham-na de volta, quase pasmos de terem - tantas, tantas vezes - trazido de volta à casa essa criatura que insiste em andar a passos fortes e deixar o coração bater na garganta.

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