segunda-feira, 16 de julho de 2007

XIII

mabel se assustava muito e em pequenas doses. todo dia, pra ser mais exata. do que mais sentia medo era de não dar conta de atravessar as horas. por vezes, as mais prosaicas tarefas do cotidiano - levantar-se da cama, ir trabalhar, conversar as conversas automatizadas do trabalho, pegar o caminho de volta para casa, entrar na garagem e dizer, graças a deus, dei conta - exigia-lhe tanto controlar seu medo, que não sobrava sumo para extrair das palavras. assim, o silêncio tornava-se compulsório.

mabel ficava feliz em doses concentradas. em dias insuspeitos. sentia uma alegria tão profunda que lhe tomava os poros, as horas sob o chuveiro no inverno, o sabor das frutas que devora sempre. poucas vezes na vida se viu assim, entorpecida de cotidiano - vida de ouvir música com o corpo todo, deixar a memória de pedaços da sua história te visitar todas as tardes, devolver seu sorriso mais sincero às pessoas que reconhece pela rua - era uma entrega tão inteira que não sobrava fôlego para chegar às palavras. o silêncio só podia ser cúmplice.

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