sexta-feira, 20 de julho de 2007

XV

o mês de julho cheira a óleo de cravo esfregado sobre a superfície das unhas. atravessava seus dias estendendo-os, vendo o sol desaparecer e deixando gelar o café na xícara, enquanto conversava longas histórias com amigos uns antigos outros nem tanto mas igualmente importantes. o odor de cravo enchia-lhe o pulmão assim que começava a contar as semanas desse mês que, ainda bem, é feito de cinco semanas, do dia mais vazio do ano na cidade, e dos encontros que deixavam vivas suas amizades. podia se dar ao imenso luxo de andar a esmo, esquecer o relógio na cabeceira da cama e refinar seu cotidiano - eram mesmo férias luxuosas. gostava de se demorar fazendo as unhas dos pés, andar de chinelos para não estragá-las. nunca deixara de se impressionar com o requinte do gesto que faz as unhas brilharem sem esmalte, desde quando sua mãe a ensinara a esperar a manicure vir, toda sexta-feira, duas da tarde. depois eram as noites do fim de semana que não precisava terminar, segundas-feiras sem aula de manhã. mas do que mabel estava impregnada era do cheiro de cravo que atravessara sua adolescência - do óleo em pequenos vidros, da delicadeza com que foram aprendendo, elas e as amigas, a conversar assuntos espinhosos, levianos e divertidos, tudo a um só tempo.
agora, décadas depois, os aromas acres se misturam ao frescor do falso inverno. nossas conversas femininas, a cada vez mais sinceras. as segundas-feiras são mais ansiosas, a gente menos. e entretanto as despedidas são as mesmas. tome conta de você, não sofra tanto quando o desejo terminar, não ritualize a tirania - até o próximo meio do ano.

Nenhum comentário: